O engenheiro aeronáutico francês
Michel Colomban, nascido em 1932, sempre foi fascinado por aeronaves de
pequeno porte. No final da década de 1950, ele tinha uma proposta de
construir uma aeronave homebuild pequena e econômica, com
desempenho acrobático. Sua idéia inicial era projetar um avião monoposto
muito simples e leve (até 180 Kg), capaz de levar um piloto de 78 Kg de
peso e 10 Kg de combustível, e equipado com um motor de 20 HP. Seus
cálculos provaram que uma área de asa de 4 metros quadrados era viável.
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Cri-cri com matrícula alemã. Notem a pequena envergadura |
Devido aos
compromissos profissionais, Colomban desenvolveu lentamente seu projeto,
por mais de uma década, até chegar, em 1971, a um design
definitivo. Os avanços tecnológicos dessa época permitiram vários
melhoramentos em relação ao modelo antes imaginado. A nova aeronave
incorporou aerofólios de perfil laminar avançados (21,7 Wortmann), de
baixo arrasto, uso extensivo de composites e chapas de metal
muito finas, o que permitiu uma drástica redução do peso. Essa redução
do peso permitiu reduzir a área alar para apenas 3,1 metros quadrados.
Colomban repensou o grupo motopropulsor e resolveu utilizar dois motores
de motosserra Stihl, de 8 HP cada, ao invés de usar um único motor de
20 HP.
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Essa foto, tirada debaixo de um Boeing 747, dá uma idéia do pequeno tamanho do Cri-cri |
A idéia de colocar
dois motores se revelou uma ótima solução, pois além de reduzir o peso
total da aeronave, permitiu instalar hélices de diâmetro muito pequeno,
que podiam girar, eficientemente, a altas velocidades, sem que suas
pontas atingissem velocidades supersônicas. Colocados lado a lado no
nariz da aeronave e bem próximas do eixo longitudinal, permitiam fácil
controlabilidade em caso de falha de um deles.
A construção do primeiro
protótipo consumiu 1.500 horas de trabalho, entre 1971 e 1973. Como a
intenção era criar uma aeronave acrobática, Colomban executou vários
testes estáticos de carga estrutural para se certificar da resistência
do avião à manobras radicais.
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Demonstração do baixo peso da aeronave |
Colomban batizou sua nova aeronave de Cri-cri, diminutivo de cricket,
apelido da sua filha. O avião tinha um peso vazio de apenas 63 Kg, 4,9
metros de envergadura e 3,9 metros de comprimento. O protótipo,
designado MC-10, voou pela primeira vez em 19 de julho de 1973, no
aérodromo de Guyancourt, pilotado por Robert Bush.
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O "carro" dos Jetsons, que lembra o Cri-cri. |
A aeronave era atraente pelo pequeno tamanho e baixo
custo, mas o que chamou a atenção mesmo foi o seu espetacular desempenho
acrobático. A velocidade máxima em voo nivelado era de 125 MPH, e o
avião podia rolar, graças à sua pequena envergadura, a 360 graus por
segundo. Também podia executar qualquer outro tipo de manobra
acrobática. Seus motores de dois tempos podiam funcionar tranquilamente
em manobras em G negativo. Com motores de 15 HP, podia subir 1.200 pés
por minuto.
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O cockpit do Cri-cri, relativamente confortável e espaçoso, para um avião tão pequeno |
Os construtores
amadores franceses se apaixonaram pelo pequeno avião, que lembrava
vagamente o carro voador dos Jetsons, populares personagens de desenho
animado da época. O homebuilders compraram os projetos e começaram a construir suas aeronaves.
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Painel de instrumentos do Cri-cri. Notem a posição do tanque e as duas manetes |
Os primeiro resultados obtidos pelos homebuiders,
no entanto, foram frustrantes. A construção revelou-se bastante
difícil, a despeito do pequeno tamanho da aeronave, e a afinação e
sincronização dos dois motores deram muita dor de cabeça. Demorou uma
década para Colomban "afinar" seu projeto e emitir manuais práticos de
construção para os operadores, mas o avião tornou-se finalmente um
sucesso total.
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O Cri-cri, menor bimotor do mundo |
Como era um homebuilt,
os construtores experimentaram várias modificações no projeto original,
principalmente no que diz respeito à motorização. Motores de kart, de
aeromodelos, de motosserras e de cortadores de grama foram instalados
nas aeronaves, cerca de 80 tipos diferentes. A potência desses motores
ficava entre 9 a 15 HP cada um.
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Desenho em corte do Cri-cri. Clique na foto para melhor resolução |
Nem tudo era perfeito no Cri-cri, no entanto. Sua relativamente alta velocidade de estol (42 MPH em power-off)
e a alta sensibilidade de comandos tornam a aeronave inadequada para
pilotos principiantes, e a autonomia é muito baixa, pela baixa
capacidade do tanque (6 galões americanos), que fica localizado logo
abaixo das pernas do piloto, apoiando-as.
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O Cri-cri pode ser transportado no teto de um carro grande |
Até o presente,
estima-se que só na França foram construídos pelo menos 100 exemplares.
Cerca de 30 foram construídos nos Estados Unidos, e outros 20 devem
estar espalhados pelo mundo, especialmente na Austrália, no Canadá e na
Alemanha. Então, os exemplares construídos, de todos os modelos (MC-10,
MC-12, MC-15 e outros) provavelmente ultrapassam 150 aeronaves.
O modelo MC-15S, de 1998, foi
projetado para usar dois motores JPX PUL 212, de um cilindro, 210 cm
cúbicos de cilindrada e 15 HP. Provavelmente, esse motor pode ser
considerado um "padrão" para a aeronave.
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Jet Cri-cri de Charmont |
Pelo menos um Cri-cri
foi modificado para usar dois motores a jato Olympus AMT, usados em
aeromodelos de grande porte e capazes de produzir 80 libras-força de
empuxo (36 N) cada um. Essa aeronave foi construída pelo francês Nicolas
Charmont e é capaz de desenvolver 150 MPH em voo nivelado, 25 a mais
que os melhores modelos com motor a pístão. A velocidade nunca exceder
(VNE) permaneceu em 160 MPH, assim como o peso máximo de decolagem, 170
Kg. No entanto, outros dois construtores experimentaram motores a jato
no Cri-cri, como Yves Duval e Bonaire Dominique. Esse último utilizou
motores JetCat 200SX.
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Jet Cri-cri de Bonaire Dominique |
O mais recente e
fascinante modelo do Cri-cri, no entanto, foi desenvolvido conjuntamente
pela EADS Inovation Works, Aero Composites Saintonges e Green Cri-cri
Association. Trata-se de uma aeronave movida por 4 motores elétricos brushless (sem escovas), instalados aos pares nas naceles e acionando duas hélices contra-rotativas cada par.
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O Cri-cri elétrico da EADS: o menor quadrimotor do mundo |
O Cri-cri elétrico,
matriculado F-PRCQ, voou pela primeira vez às 11:12 da manhã do dia 28
de agosto de 2010, no Aeroporto de Le Bourget, em Paris. O piloto de
provas relatou que os motores funcionam com extrema suavidade e
silêncio, quando comparados aos aviões a pistão. O avião foi capaz de
subir a 1.040 pés por minuto, e voltou ao solo depois de um curto voo de
7 minutos de duração. As baterias de íons de lítio permitem voar 30
minutos na velocidade econômica de 70 MPH ou 15 minutos em acrobacias,
com velocidades de até 155 MPH. É a menor aeronave quadrimotora já
construída.
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Grupo motopropulsor elétrico da EADS: dois motores e duas hélices contra-rotativas |
A EADS - European
Aeronautic Defense and Space Company é um dos maiores conglomerados do
ramo aeroespacial do mundo, e tem como subsidiárias as empresas Airbus e
Eurocopter. A empresa está desenvolvendo vários projetos de propulsão
alternativa, como biocombustível baseado em algas e um helicóptero de
propulsão híbrida, além do Cri-cri totalmente elétrico.
No Brasil, existiu pelo menos um
exemplar de Cri-cri voando, o PP-ZCE. Devem existir mais exemplares,
completos ou incompletos. Pela legislação brasileira (RBHA 103A), essa
aeronave não pode ser registrada como ultraleve, pois tem dois motores e
duas hélices, e isso limita um pouco o interesse pelo avião. Segundo
algumas fontes de informação, não totalmente confirmadas, o PP-ZCE usou
dois motores de moto Yamaha DT-180. Sua matrícula já foi cancelada no
RAB - Registro Aeronáutico Brasileiro.
Colomban ainda fornece,
limitadamente, plantas para a construção do Cri-cri, mas tem se dedicado
a modelos mais recentes, como o MC-100 Banbi e o MRC-01, em conunto com
Christopher Robin. Mas sua obra mais notável, provavelmente, sempre
será o fantástico "menor bimotor do mundo", o Cri-cri.